sábado, 29 de dezembro de 2012

Entrevista a Célia Correia Loureiro


Célia Correia Loureiro é licenciada em Informação Turística pela Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Setorial, mas garante que a sua vocação é a escrita. Nascida em Almada, em 1989, começou a criar histórias desde muito cedo. Com duas obras publicadas através da Alfarroba, a autora pretende continuar a levar os leitores a viajar consigo através de tramas emocionantes.
Um forte agradecimento à Célia pela sua disponibilidade e simpatia.

Uma Biblioteca em Construção (U.B.C.) - O que é que a escrita significa para ti?
Célia Correia Loureiro (C.C.L.) - Um escape, um mundo paralelo onde posso dispôr das coisas, das pessoas, dos sentimentos delas e da natureza a meu bel-prazer. É poder, um poder limitado, porque só existe por entre as páginas de um livro, mas ainda assim intenso e satisfatório.

U.B.C. - Como é que um curso ligado à área de Turismo e Hotelaria se liga e a escrita se ligam?
C.C.L - O curso proveio, certamente, do meu anjinho da guarda. Isto porque eu não fazia ideia do que queria fazer da minha vida ou daquilo para que poderia, eventualmente, ter jeito. Gostava (e gosto) de História, de línguas, de lugares. Na escrita conseguia conjugá-los todos, mas não outras necessidades mais “básicas”, como sejam comer ou viver. Na escrita não se vive, reflecte-se sobre a vida ou criam-se vidas alternativas. Mas não se “vive”. E eu precisava de viver para escrever, daí que não faça sentido, para mim, um full time na escrita, mesmo que pagasse.

U.B.C. - Quando começaste a escrever com o objetivo de publicar?
C.C.L - É difícil de identificar um momento. Sempre escrevi. Quando me sentei pela primeira vez em frente a um computador, lá para 1997/8, não pedi para me porem jogos. Perguntei “Isto dá para escrever?”. Acho que as pessoas ao meu redor que sabiam desse hábito tinham mais desejo de ver-me publicada do que eu própria. Porque eu era um pouco insegura em relação ao interesse que os outros poderiam ter naquilo que eu punha cá para fora. “Já procuraste uma editora?”, “Quando é que publicas um livro?”. Quando esse desejo se tornou mais meu do que deles comecei a mexer-me, mas confesso que aos 17 ou 18 anos se deve esperar. Eu devia, fui recusada, como é evidente, e hoje agradeço ao universo por ter planeado tudo desse modo. Não seria tão apreciada hoje se a minha primeira obra tivesse sido uma daquelas que escrevi em 2006. Mas acho que é justo dizer que nunca pensei, como hoje ainda não penso “quero ser escritora”, ou nessa altura nem sequer pensava em escrever coisas “publicáveis”, tirava e tiro prazer da escrita como qualquer artista de rua tira da sua arte. Só que agora sei que há pessoas que também retiram algo do que escrevo e sinto essa pressão de cumprir as expectativas de quem me lê e apoia.

(2011)
U.B.C. - Podes explicar como foi o processo de publicar Demência?
C.C.L - Foi complicado encontrar uma editora disposta a apostar numa autora nova. Na altura fiquei com a ideia de que fui “escolhida” porque apresentei umas três ou quatro obras - de qualidade dúbia, algumas - e viram que havia alguma consistência. Isto é; a cada nova obra conseguia melhorar algo em relação à anterior. É o que gosto de pensar, que tenho potencial para crescer mais (no que escrevo, não na literatura, embora quem saiba ambas se entrelacem). E deram-me essa hipótese. Apostámos juntos, porque dar a cara por uma obra também não é tão fácil quanto se possa julgar. Foram muito abertos às minhas sugestões - e vice-versa. A capa, inclusive, é uma fotografia da minha autoria.

U.B.C. - E quanto ao O Funeral da Nossa Mãe? Foi mais fácil?
C.C.L - Sim, foi. Porque já havia uma relação de confiança mútua entre mim e a editora. Já sabíamos o que esperar uns dos outros, já conhecíamos o nosso modo de funcionar e ambos nos forçámos por aperfeiçoar ainda melhor este livro - revisão, design, tudo. Fui eu que disse que tinha outro livro na gaveta e a editora recebeu-o bem, sendo honesta quanto à sua apreciação do mesmo e dos pontos em que deveria melhorar. Foi um processo mais calmo, mas nem por isso menos emotivo.

U.B.C. - O que te deu mais prazer em publicar estes livros?
C.C.L - Escrever um livro é um trabalho solitário e, por vezes, incompreendido. Parece trabalho deitado à rua em troca de nada. Na minha passagem de ano vou levar livros para fazer pesquisa, o portátil e os óculos. Tudo elementos que deveriam ficar em casa, mas eu preciso de trabalhar. Quem me estabeleceu essa urgência e esses prazos sou eu mesma. Quero trabalhar exaustivamente no livro actual até o elevar ao melhor que as minhas capacidades e recursos me permitem neste momento. Mas publicá-lo é sair desse isolamento, pôr em suporte físico aquilo que é notável que me rouba tantas horas. É o resultado da soma dos meus alheamentos e ausências e tardes na biblioteca. E ter pessoas que não me conhecem mas a quem os meus livros tocaram a contactar-me, é por demais gratificante! Devo-lhes essas horas e, por fim, juntamo-nos todos no livro (físico) e trocamos impressões. Não tem paga.

U.B.C. - Quais foram as principais dificuldades?
C.C.L - Chegar à qualidade que eu própria considerava mínima para lançar algo para o colo das pessoas e ir buscar-lhes dinheiro ao bolso - isto é, não queria ficar com a ideia de que as pessoas estavam a atirar dinheiro à rua, porque sou muito self conscient quanto ao que vale a pena, ou não, investir, bem como à qualidade do que escrevo e ao modo como se inserem no mercado livreiro disponibilizado pelas editoras. Mas depois de ler algumas obras de autores nacionais de “renome”, convenci-me que não era nem de sombras tão má e talvez pudesse safar-me nisto de agradar aos leitores.

U.B.C. - E qual foi a sensação de ter o primeiro livro nas mãos?
C.C.L - Inexplicável. Não sei porquê mas emocionei-me mais com o segundo - mesmo sendo segundo e a capa do primeiro tendo sido fotografada pelo mim. Acho que é assim porque, quando lancei o primeiro, tive receio de que fosse tudo fruto do acaso e da sorte. Com o segundo percebi que é a sério, não foi um devaneio.

U.B.C. - Como está a ser lidar com as críticas?
C.C.L - Como em tudo na vida; após a filtragem do "construtiva/meramente ofensiva", pego no que me dizem e tento melhorar. Tomei muita atenção ao que me tem sido dito, o meu objectivo é encontrar o leitor a meio caminho. Isto é se fizer uma frase demasiado grande, retalho-a para não o maçar, mas direi exactamente a mesma coisa. Em geral recebi críticas muito construtivas que me ajudaram a repensar o que escrevo e a colocá-lo do melhor modo, a fim de que o leitor tire tanto prazer da leitura da obra quanto eu tirei da sua construção, mas não posso vergar-me completamente ao que me é dito, ou comprometeria a minha quota de criatividade e alegria na tarefa

U.B.C. - Quais pensas serem as tuas principais características como autora?
C.C.L - Eu gosto de escrever sobre vidas banais - erros, caminhos, decisões difíceis, acaso, destinos, amores, enganos, desilusões, choque de interesses. Não procurem o bom e o mau nos meus livros, porque não acredito na ditadura do preto e do branco. Encontrarão um mundo de cinzentos que oscilam - provavelmente vão amar e odiar, em simultâneo, as minhas personagens. Elas erram, pagam pelos erros (voluntariamente ou não). Dizem que sou muito descritiva - eu gosto disso, porque também quando leio preciso de saber onde tenho os pés. Tento conter-me nesse campo, mas contem com alguma descrição. Gosto do passado, estes dois romances publicados debruçam-se sobre o modo como o que ficou para trás trouxe as personagens até à actualidade. Contem com algumas amarguras e amores trocados também.

(2012)
U.B.C. - Quais são as principais inspirações para o teu trabalho literário?
C.C.L - A vida e as pessoas ao redor, mais do que tudo. Ou talvez os segredos e as hipocrisias e as confissões. É dessas coisas - as indizíveis - que gosto de falar. Soarei maluca se admitir que, por exemplo para O Funeral da Nossa Mãe, só ganhei impulso para escrevê-lo porque sonhei com um episódio da história? Isto é, eu sabia que queria fazer esse livro mas ainda não tinha conexão emocional a ele. E então acordei angustiada com esse sonho esquisito que tive, e finalmente tinha esse clique para escrever o livro. Se calhar estou a ser vaga mas o sonho punha-me numa posição em que gostava muito de alguém, e essa pessoa de mim, mas não podíamos estar juntos e a culpa era nossa; simplesmente não funcionava. E foi assim que eu soube exactamente o que a Carolina iria sentir nessas 430 páginas do romance. E lugares - os lugares que o nosso país desconcertam-me, espero viver para fazer jus a todos.

U.B.C. - De que forma é que a internet tem ajudado na divulgação dos dois livros?
C.C.L - A internet aproximou-me dos leitores e, desse modo, sinto que ganhei também amigos, conhecidos e caras familiares nos vários cantos do país (e Angola, e Suíça e Alemanha e até Brasil) e, por isso mesmo, gosto de sentir que estou acessível para quem quer que queira dirigir-se-me a respeito da escrita.

U.B.C. - Quais são os teus autores de referência?
C.C.L - Margaret Mitchell (E Tudo o Vento Levou), Emily Brontë (O Monte dos Vendavais), Anita Shreve (A Praia do Destino) e houve uma altura em que me senti puxada para o místico pela Joanne Harris (Chocolate).

U.B.C. - Para além da ligação à escrita e à literatura, quais são os outros hobbies que ocupam o teu tempo?
C.C.L - Adoro fotografia, viagens (conhecer o meu país é tão bom!) pintar e, claro, ler!

U.B.C. - Existe algum projeto literário em curso?
C.C.L - Existe um “mega” projecto literário em curso. Na última entrevista em que me colocaram esta questão expliquei que estava a escrever uma trilogia (temporáriamente conectada pelo signo do vinho, produto tão português), e que comecei por escrever o volume III, estava a acabar o II (que terminei e está agora em fase de revisão) e só me faltava o I. Entretanto, devido ao rumo inesperado que o II tomou, escreverei um novo entre o II e o III. Serão agora IV volumes. São romances históricos: I - 1755 (Terramoto de Lisboa), II - 1809 (Invasões Franceas), III - 1832 (Guerra Civil) e o IV - 1910 (Implantação da República). Títulos finais em desenvolvimento.

U.B.C. - Que desejas vir a alcançar no mundo literário?
C.C.L - Espero receber, em troca, risos, lágrimas, abraços, cartas de leitores, mensagens de apoio e de entusiasmo, críticas construtivas, palavras de identificação e compreensão para com os meus enredos. Isto é, aliás, o que já tenho vindo a ter. Mas não vou mentir: se pudesse alcançar um maior raio de leitores beneficiaria muito disso, ficaria muito orgulhosa de mim própria e teria mais motivação ainda para continuar a dar às teclas.

Opiniões do blog a obras de Célia Correia Loureiro:

2 comentários:

Anónimo disse...

Parabéns pela entrevista e parabéns à Célia!
Deveriam corrigir o "começas-te" de uma das questões, que é inadmissível, sobretudo num blog com este título.
Cumprimentos,
Ana

Cláudia disse...

Obrigada pela chamada de atenção Ana. Erro corrigido!