sexta-feira, 27 de junho de 2014

Opinião: A Vida de Pi

Autor: Yann Martel
Título Original: Life of Pi (2001)
Tradução: António Pescada
ISBN: 9789722344876
Editora: Editorial Presença (2011)

Sinopse.

Filho do administrador do jardim zoológico de Pondicherry, na Índia, Pi Patel possui um conhecimento enciclopédico sobre animais e uma visão da vida muito peculiar. Quando Pi tem dezasseis anos, a família decide emigrar para a América do Norte num navio cargueiro juntamente com os habitantes do zoo. Porém, o navio afunda-se logo nos primeiros dias de viagem. Pi vê-se na imensidão do Pacífico a bordo de um salva-vidas acompanhado de uma hiena, um orangotango, uma zebra ferida e um tigre de Bengala.
Já considerado uma das mais extraordinárias criações literárias da última década, 'A Vida de Pi' é um livro mágico, onde o real e o absurdo se misturam numa história intemporal.

Opinião:

Este era um livro que estava há algum tempo na estante, à espera que lhe pegasse. Finalmente surgiu a oportunidade. Gostei da ideia do escritor que quer encontrar a próxima grande história e no facto de ir procurá-la junto das pessoas. Afinal, quem lê a sinopse pode pensar que existe muito de fantasia nestas páginas, mas não é isso que Yann Martel quer transmitir. As histórias surpreendentes existem, mas nem sempre é fácil acreditar nelas.

Fiquei encantada com Piscine, ou Pi. O homem que relata os seus dias de náufrago não começa logo por expor os dias de maior sofrimento que viveu. Em primeiro lugar, há que o conhecer, há que saber o que o motiva e o que ele ama. É com um sorriso nos lábios que assistimos à luta deste rapaz contra as maldades próprias das crianças. Afinal, Pi contornou este aspecto com inteligência e perseverança

Achei impressionante e muito bonito que um menino tão novo fosse tão sensível para temas que geram tanta discussão e controvérsia. Falo da forma como ele vê a religião. Pi, indiano, nasceu numa região onde o hinduísmo é a religião mais praticada e, como é natural, é essa a fé que começa por abraçar. Contudo, durante a juventude, Pi percebe que existem outras crenças. A curiosidade própria deste jovem faz com que se interrogue sobre estas fés. É com graça que ao início se sente uma repulsa relativamente ao que é diferente. Mas esse sentimento está sempre ligado à curiosidade. Assim, Pi acaba por querer perceber a razão de existirem tantas formas diferentes de prestar culto, e é aqui que se dá uma transformação significativa.

O tema da religião é retratado neste livro como uma lição. Percebe-se que o autor condenada os conflitos gerados por crenças diferentes e também o extremismo. É feito um apelo ao entendimento e também à compreensão e tolerância. Para passar esta mensagem, Martel enaltece os pontos que ligam fés tão diferentes, sendo o principal o amor. Curiosamente, é este amor que une crenças que irá motivar o protagonista durante a dura provação que se segue.

Ainda antes do naufrágio, Pi vivia no Jardim Zoológico que era propriedade da sua família. Como tal, são fornecidos dados de grande interesse sobre as mais diferentes espécies animais que lá habitam. Esta proximidade dos animais selvagens desenvolve a sensibilidade de Pi para diversas questões e é interessante ver que algumas das explicações ou informações fornecidas serão relevantes para o período de naufrágio.

Pode-se dividir esta obra em duas partes: antes e depois do naufrágio. Antes, o ambiente é tranquilo, muito focado na reflexão e na exposição de ideias e informações que podem parecer irrelevantes. Depois do naufrágio assiste-se a uma mudança de ambiente. Este torna-se mais duro, cruel e provoca choque, muito devido às descrições explícitas. Percebe-se que se está perante um verdadeiro teste à sobrevivência mas também à integridade do protagonista.

Fiquei fascinada com a relação desenvolvida entre Pi e Richard Parker. O confronto entre um humano e um dos predadores mais temidos faz repensar o conceito de selvagem. Pi mostra que o tigre com quem partilha uma pequena embarcação é um animal de hábitos e que é motivado pelas suas necessidades. O ultrapassar do medo e o treino revelam resistência, inteligência e uma grande presença de espírito. No final, percebe-se a dor de Pi, nomeadamente pela falta de conclusão.

Durante o naufrágio, existem uns poucos momentos que podem parecer aborrecidos, mas logo surgem outros que cativam a atenção. Gostei muito da ideia final referente ao limite entre realidade e fantasia. Está bem conseguido e faz rever tudo o que foi relatado sobre diferentes pontos de vista.

Esta é uma leitura que não deixa ninguém indiferente. As reflexões e a própria história tocam, comovem e fazem pensar. Apesar das grandes dificuldades e do sofrimento vivido, a mensagem de esperança e a fé faz acreditar que tudo é possível. A Vida de Pi é um livro que dificilmente será esquecido.

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