quinta-feira, 26 de abril de 2018

Opinião: Às Cegas

Título Original: Bird Box (2014)
Autor: Josh Malerman
Tradução: Rita Figueiredo
ISBN: 9789898869746
Editora: TopSeller (2018)

Sinopse:

Não abra os olhos. Há algo terrível lá fora.
Num mundo pós-apocalítico tenso e aterrorizante que explora a essência do medo, uma mulher, com duas crianças, decide fugir, sonhando com uma vida em segurança. Mas durante a viagem, o perigo está à espreita: basta uma decisão errada e eles morrerão. Cinco anos depois de a epidemia ter começado, os sobreviventes ainda se escondem em abrigos, protegidos atrás de portas trancadas e janelas tapadas.
Malorie e os seus filhos conseguiram sobreviver, mas agora que eles têm 4 anos chegou o momento de abandonar o refúgio. Procurar uma vida melhor, em segurança e sem medos.
Num barco a remos e de olhos vendados, os três embarcam numa viagem rio acima. Apenas podem confiar no instinto e na audição apurada das crianças para se guiarem. De repente, sentem que são seguidos. Nas margens abandonadas, alguém observa. Será animal, humano ou monstro?

Opinião:

Quem tem medo do escuro? Quem fica em pânico ao sentir movimentos na penumbra? Agora imaginem o que é viverem sempre de olhos fechados para não serem mortos por algo desconhecido e que enlouquece todos os que o veem. Eram capazes de viver na escuridão para preservarem a vida? Encurralados e com praticamente nenhum contacto com o exterior? Manteriam a sanidade nestas condições? É nestas condições que se encontra o mundo criado por Josh Malerman neste livro.

Às Cegas apresenta uma história intensa, arrepiante e que, em muitas ocasiões, deixa o nosso coração mais acelerado. Num mundo igual ao nosso, as pessoas começam a enlouquecer e a matarem todos os que as rodeiam, terminando por também tirarem a própria vida. Ninguém sabe ao certo porque isto acontece, mas todos já perceberam que tal é despoletado pela visão de algo. Uma criatura, um monstro, um ser misterioso que surge no campo de visão e provoca insanidade. A única forma de sobreviver é encontrar um refúgio, tapar todas as portas e janelas e viver na escuridão. Na rua, só se pode andar de olhos fechados, mas isso é estar exposto a perigos e sem hipótese de defesa.

Vivemos esta aventura ao lado de Malorie. Trata-se de uma mulher jovem que se transforma à nossa frente ao longo da narrativa. Conhecemos esta personagem numa fase já avançada da história, numa situação extrema em que a luta pela sobrevivência prevalece sobre tudo o resto. Contudo, em capítulos intercalados, assistimos ainda aos acontecimentos que vão desde o início deste fenómeno crítico até ao ponto actual da situação. Desta forma, o autor deixa-nos perceber o que aconteceu a Malorie e a todos os que a certa altura a rodearam, mas sem revelar tudo e deixando-nos sempre com vontade de descobrir mais.

A transformação da protagonista é impressionante. De uma jovem que acredita que o seu maior problema é uma gravidez indesejada ela torna-se uma mulher capaz de tudo para sobreviver. A forma como tal acontece é gradual e faz todo o sentido. Moldada pela dor da perda e pelo terror, ela acaba por ser exemplo de coragem, preservação e força. É impressionante observar algumas das decisões que toma, nomeadamente numa fase mais avançada, quando fica responsável por dois bebés. Podemos ficar arrepiados com alguns dos seus pensamentos e opções quanto às crianças, mas não a conseguimos julgar.

Tanto Malorie como as pessoas que ele contacta transmitem as diferentes formas de se lidar com situações de perigo e sobrevivência. Acredito que podemos imaginar o que faríamos nesta situação, mas sem ter a certeza de quais seriam as nossas reacções. Por isso mesmo, acaba por ser difícil criticar as figuras com quem, aparentemente, não deveríamos simpatizar. Ainda assim, é de louvar sentir que o optimismo e esperança conseguem prevalecer em algumas personagens, mesmo quando passaram por tanto e perderam tudo. Ao observarmos estas figuras, analisamos a natureza humana e fazemos um exame de consciência. Afinal, qual destas figuras nos representa?

O ambiente tenso consegue envolver-nos e afetar-nos conforme a leitura vai avançando. As descrições transportam-nos com facilidade para esta realidade, sendo imediato e fácil perceber o pavor em que vivem as personagens e o pânico vivido nas situações mais extremas. Muitas vezes, parece que somos nós que ali estamos, fechados num casa e com medo do que pode estar lá fora ou mesmo na rua com uma venda nos olhos e a sentir a presença de algo desconhecido mesmo ao nosso lado. Acreditem, estes momentos incomodam, mas também nos fazem querer não largar o livro.

É engraçado pensar que, quando comecei a leitura, perguntei-me se não seria aborrecido acompanhar uma história passada dentro de uma casa ou em que as personagens tivessem sempre os olhos fechados. Acreditem, esta dúvida revelou-se infundada pois em momento algum senti desinteresse ou aborrecimento. A narrativa agarra-se a nós e faz-nos desejar entender o que ali aconteceu, o que fez com que Malorie se encontrasse naquela situação, até onde vão aquelas personagens e o que está, afinal, a causar esta chacina.

Às Cegas é um livro impressionante. Devorei-o com vontade e fiquei muito satisfeita com o rumo que a história tomou. O final faz sentido, apesar de, admito, sentir falta de algumas informações. Contudo, entendo a opção do autor para não as fornecer, pois isso faz com que o medo vivido nestas páginas não nos abandone facilmente. E apesar de tal ideia poder perturbar, pensem no quão bom é quando um livro nos afecta desta forma. Claro que recomendo.

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